quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O começo de um amor... parte 01

Nota do autor: Baseado em fatos reais e imortalizados por um grande espírito de luz, espero que gostem. Atenciosamente, Laura P.
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O começo de um amor... Parte 01

Se todas as historinhas de amor têm que começar com: “era uma vez...” então a que eu vou contar é um romance espírita, que contará toda a trajetória de almas gêmeas que vão se reencontrar, e vai começar com...
           
Era uma vez uma moça, Isabel e um rapaz, Luís Felipe, que se conheceram pelo Chat do celular, ele é um rapaz que mora em Garanhuns, e ela mora em Maceió. Foi de um convite para conversar que eles acabaram se apaixonando.
- oi vms tc? Disse Luís Felipe.
Porém Felipe só obteve resposta muito tempo depois, pois ela estava estudando, e quando chegou foi à primeira coisa que Isabel fez foi retornar para Luís Felipe, que atendia pelo Nick de Lippe3 e ela pelo Nick de Isa69,
A primeira coisa que Lippe3 falou foi:
- oi m xamo Luís Felipe, sou de Garanhuns, tnho os olhos azuis da cor do céu, sou moreno klaro, kblos prtos, com barriguinha de crvja, tnho umas prnas grossas, q, aliás, é a parte do meu corpo q eu + gosto e vc m fale o q vc gosta? O q vc faz? Bjos
Isabel gostou muito de Luís Felipe não da sua figura como ele descreveu e sim da pessoa que ele mostrou ser, espontânea, enfim legal. Isabel respondeu a Luís Felipe:
- ola, eu m xamo Isabel, + pode m xamar de Isa, sou morena, olhos castanhos médio, cabelos negros e longos, moro em Maceió, não sou bonita + sou smpátca, studo, gosto mto de viajar, kndo posso, e trablho ajudando mnha mãe na floricultura dla. + sim Felipe vc trablha? Estuda? M fale + sobre vc... Bjo.
- bem Isa s eh q posso te xamar assim, eu acho q vc eh mto bonita e ta scondendo o jogo,eu studo faço engenharia meknica pla UFG, trablho com o meu tio. + i ai vc tm namorado?
- dv sr lgal studar engenharia mknica, eu ainda to no 2ºano cientifico, e to pnsando prestar vstbular para direito até q eh 1 área bm concorrida + eu vou conseguir. Não Felipe eu não tnho namorado, sei q sta frase sta meio manjada + stou a procura d 1 pssoa lgal, trminei não faz mto tmpo 1 namoro d 2 anos pq eu pguei meu ex com mnha mlhor amga. + e vc?
- bm eu não tnho namorada por enquanto, não faz tb mto tmpo q trminei com ela.
- Felipe eu tnho q ir agora + tard a gnt s fala, todo bm p vc? Eh q agora tnho q tomar banho p jantar, e dpois ir ao cursnho só xgo lá p 10horas.
- todo bm Isa, + trde kndo eu chegar da facul vou t tc p gnt convrsar. Bjo mnha linda adorei falar cm vc e t conhecr.
-bjo Felipe eu tb adorei falar cm vc, t achei mto interesant. Bjo e at + tard, tchau! Boa aula p vc.
- tchau e boa aula p vc tb. Bjo
Isabel e Luís Felipe, não viam à hora de chegar para conversar e saber mais sobre aquele desconhecido (a). Isabel em sua sala de aula pensava “como será que ele é meu Deus, bem que ele me pareceu uma pessoa muito legal e bonita”. Enquanto Luís Felipe pensava, não sei se por coincidência, a mesma coisa.
Ela no cursinho tratou de falar para suas amigas o cara “especial” que ela acabara de falar pelo celular, enquanto Felipe não falava nada para seus amigos por que será?

Isabel é uma garota de 17 anos de família cigana, só namorou um rapaz em toda sua vida, acredita em amor eterno, à primeira vista e em tudo que os contos de fadas a faz viajar com aqueles amores arrebatadores, seus pais são muito amorosos com ela, mora em uma casa aconchegante, Isabel traz consigo uma paz que preenche o coração de todos que a rodeia. Sua mãe tem uma floricultura onde Isabel sempre desde pequena ajuda, seu pai é advogado, (daí a vontade de Isabel ser advogada) estuda em um dos melhores colégios de Maceió, e faz cursinho que, aliás, também é um dos melhores, para ela ser mais feliz do que já é, só precisa passar no vestibular, se formar e ter sua própria família.

Luís Felipe é um garoto de 21 anos que sempre foi um safado, acredita em amor quando sente que a pessoa é a pessoa certa, porém nem acredita e nem desacredita em amor à primeira vista, seus pais também sempre foram carinhosos com ele, sua mãe é médica pediatra e sempre sofreu com um único trauma que Felipe tem, ele é mudo por causa de uma complicação no parto dela, que aliás não é nada de mais ser deste jeito, seu pai é delegado em uma cidadezinha do interior, antes dele completar a maior idade morava em Pau d’alho numa casa bastante luxuosa, com seus pais e seus irmãos, e ao completar 18 anos Luís Felipe decidiu morar com seu tio em Garanhuns, tratou logo de prestar vestibular e passou para UFG, trabalha ajudando seu tio em uma equipadora de carro namorava uma menina que era um pé no saco!  Para Luís Felipe ser feliz bastava só concluir sua faculdade, ter sua própria equipadora e encontrar um grande amor.
(...) (...) continua...

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A novela vai mostrar o início da conscientização do orgulho negro do Brasil e como surgiram as primeiras favelas.

Lado a Lado não é uma novela de época, mas uma novela sobre uma época que ajuda a compreender as mulheres de hoje. É essa a primeira conclusão que se tem da nova trama das 18h, que estreia hoje na Globo, ao ver as cenas apresentadas à imprensa há duas semanas e ao colher as impressões do elenco e da equipe envolvidos na produção.

Tudo gira ao redor delas e é sobre elas, seus sonhos, vontades e batalhas na virada do século 20 e na transição da Monarquia para a República, cenário reconstruído pela equipe do diretor Dennis Carvalho segundo imaginaram os autores Claudia Lage e João Ximenes Braga, sob supervisão de Gilberto Braga.

Inicialmente, há duas amigas, Isabel (Camila Pitanga) e Laura (Marjorie Estiano). A primeira é a bela filha de um ex-escravo, Afonso (Milton Gonçalves), que trabalha como doméstica desde os 14 anos. A segunda é uma normalista, filha de família tradicional em franca decadência. As duas sonham com a liberdade e vão se casar – Isabel com José Maria (Lázaro Ramos), por amor; Laura com Edgar (Thiago Fragoso), por conveniência.

Entre as duas jovens, e com o peso de décadas de tradicionalismo nas costas, Constância (Patrícia Pillar) se agarra como pode ao título de baronesa e luta, em vão, contra os novos valores que começam a se estabelecer. Mãe de Laura, ela acredita que só um bom casamento pode garantir futuro a uma mulher. Que o público espere, portanto, duelos cênicos dos mais palpitantes entre as talentosas Camila Pitanga, Patrícia Pillar e Marjorie Estiano. Abaixo, as atrizes ajudam o blog a desvendar o que move suas personagens:

Camila Pitanga fala de Isabel:

Isabel (Camila Pitanga), a libertária.

“Ela tem a auto-estima de pé, é o traço mais importante dela. O bacana da novela, mais do que chamar a atenção para o preconceito, é falar do negro se afirmando na sociedade. A gente não sabe nada sobre a mãe, mas ela tem um pai muito afetivo, que conseguiu comprar a sua liberdade e trabalhar como barbeiro. A patroa dela não chega a ser uma mãe, mas é afetiva. E como é uma senhora refinada, a Isabel aprendeu a se portar, teve boa edução. Ela vive bem no cortiço e numa casa de elite, transita entre esses dois mundos. Sempre que você olha para a história, está se pensando hoje. É uma oportunidade que essa novela dá.

 Patrícia Pillar fala de Constância:

Constância (Patrícia Pillar), a controladora.

“A novela fala muito sobre o nascimento da mulher moderna, por meio de uma filha do povo e de uma filha da elite. A Constância representa o nascimento de uma parte da elite que nós temos hoje, a mais preconceituosa. Ela luta por coisas que não vai conseguir conter, como o pensamento da filha. A Laura quer trabalhar e não aceita o casamento, mas a Constância tem uma opinião contrária porque, afinal, ela viveu esse modelo e foi feliz. Ela é uma falsa moralista, uma moralista que está a serviço de tudo menos da moralidade, como diz o Veríssimo. Fora isso, a novela tem também uma parte cultural maravilhosa, sobre o nascimento do samba e a vinda do futebol para o Brasil. Isso será matéria-prima do nosso dia a dia aqui, através de personagens que representam o nosso passado recente e também o nosso presente.”

 Marjorie Estiano fala de Laura: 

Laura (Marjorie Estiano), a reprimida.

“Tenho feito mulheres de opinião, que lutam por seus ideais. Talvez a Laura seja a precursora de todas elas. Ela tem um temperamento empreendedor, questionador e, por isso, bate de frente com a mãe. A relação delas sempre foi muito difícil. A Constância faz uma invasão muito grande na vida da Laura, ainda que seja por amor. Ela aceita o casamento, mas não como limitação – isso não determinou que ela vá parar de trabalhar.”

Toda a divulgação, fotográfica: Rede Globo.

Editado por: Mãe Polly d'Yêmanjá.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Lágrima de preta


Encontrei uma preta 
que estava a chorar 
pedi-lhe uma lágrima 
para a analisar

Recolhi a lágrima 
com todo o cuidado 
num tubo de ensaio 
bem esterilizado

Olhei-a de um lado 
do outro e de frente 
tinha um ar de gota 
muito transparente

Mandei vir os ácidos 
as bases e os sais 
as drogas usadas 
em casos que tais

Ensaiei a frio 
experimentei ao lume 
de todas as vezes 
deu-me o qu´é costume

Nem sinais de negro 
nem vestígios de ódio 
água (quase tudo) 
e cloreto de sódio.

António Gedeão.

Morena flor, Vinicius de Morais.


Morena flor me dê um cheirinho
Cheinho de amor

Depois também me dê todo esse denguinho
Que só você tem

Sem você o que ia ser de mim
Eu ia ficar tão triste
Tudo ia ser tão ruim
Acontece que a Bahia fez você todinha assim
Só para mim.

A moda das mulheres negras... nossa prosa é mais visual em torço e vestimenta!








Com a chegada da corte e a abertura dos portos, em 1808, as brasileiras foram apresentadas à moda européia. O país passou a receber uma quantidade imensa de produtos do velho continente, como tecidos, leques, sapatos, jóias, chapéus, luvas, broches e bolsas. Paralelamente, a vida social ganhou novos ares com as inúmeras festas e cerimônias promovidas pela corte.

As escravas já de visual novo...

Com a abertura dos portos, o grupo de escravas comerciantes - que já existia - ganhou força. Muitas negras passavam o dia pelas ruas, vendendo produtos. A roupa delas era a fusão de heranças africanas com o modismo europeu. Usavam objetos mágicos e amuletos sobre o corpo, para atrair dinheiro e se defender de inimigos. As roupas eram de tecidos amarrados e sobreposições à moda africana ou então saias, blusas e vestidos dados pela patroa, mas sempre de qualidade inferior. Como parte do ganho dessas escravas ficava com elas, muitas compravam jóias - que mais tarde podiam ser trocadas pela liberdade.
Já as negras que trabalhavam em casa, como domésticas, serviam como uma espécie de vitrine da condição social de seu dono. Quanto mais elegantes e adornadas fossem as escravas, mais poderoso se mostrava o senhor. Na hora de sair, vestiam-se de forma muito semelhante às brancas. Essas escravas herdavam jóias e vestidos das patroas.

Moda africana

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Falo de racismo, eu mulher negra, e do que sou...

Começo o meu post "replubicando" uma entrevista com 10(dez) mulheres negras, que falaram para a revista Criativa e que saiu também no site: www.criola.org.br, sobre suas experiências enquanto Mulheres NEGRAS. 

"Eu senti na pele" 
10 mulheres negras falam sobre a discriminação de raça e gênero que vivenciam -

Por Flávia Martinelli com fotos de Juliana Coutinho 
Revista Criativa (Edição de Maio de 20004)

No Brasil, ninguém é racista. Os outros é que sempre são. Para falar sobre um assunto tão delicado no mês em que a abolição completa 116 anos, promovemos um debate com dez mulheres - todas negras, mas de diferentes idades e classes sociais. Acompanhe os melhores trechos do bate-papo: com a palavra, quem sofre preconceito
1. Malizi Fontoura Gonçalves, 22 anos, MC do grupo de hip-hop Anastácias, ganhador do Prêmio Hutus de melhor demo feminina em 2003, e estudante de Direito

2. Roberta Rodrigues, 22 anos, atriz que interpretou Berenice no premiado filme "Cidade de Deus". Na TV, foi a empregada Zilda de "Mulheres Apaixonadas". Atualmente está em "Cabocla". Nasceu, cresceu e mora no morro carioca do Vidigal

3. Dona Obassy, 66 anos, mãe-de-santo, sambista, poetisa e líder comunitária na favela carioca Cidade de Deus. Filha de Oba (mulher guerreira em ioruba), criou sozinha cinco filhas. Quatro têm curso superior; a caçula, adotada, está no Ensino Médio

4. Magali da Silva Almeida, 47 anos, assistente social, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Coordena o Pro-Afro (Programa de Estudos e Debates dos Povos Africanos e Afro-americanos) e é responsável pela criação de uma disciplina sobre a temática do negro no Brasil no curso de Serviço Social da UERJ

5. Lúcia Helena Conceição de Souza, 45 anos, empregada doméstica, membro do sindicato da categoria de Volta Redonda (RJ)

6. Cláudia Talita Fontoura da Silva, 18 anos, DJ do grupo Anastácias

7. Monique Camilo, 20 anos, faz Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Filha, neta e bisneta de domésticas, entrou na UFRJ graças às cotas para negros

8. Denise Fontoura da Silva, 22 anos, MC do grupo Anastácias e estudante de jornalismo

9. Isabel Fillardis, 30 anos, modelo e atriz. Tem oito novelas e três filmes no currículo. Eleita em 2002 a mais bela mulher negra do Brasil, foi a estrela da campanha do primeiro sabonete específico para esse público

10. Ruth de Souza, idade não revelada, atriz, mais de 50 anos de carreira. Foi a primeira negra a subir no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a primeira brasileira a ser indicada para um prêmio internacional - o de melhor atriz no Festival de Veneza de 1954, pela atuação na novela "Sinhá Moça". Foi uma das fundadoras do Teatro Experimental do Negro e bolsista da Fundação Rockfeller, na Karamu House (EUA), onde estudou dança e música. 
A gente grita
"Para ter espaço, engoli sapo, perereca, rã" Ruth de Souza, atriz 
Ruth - Já que vivi várias épocas, vou começar a conversa [risos]. Minha mãe foi "cria" de uma família tradicional de Minas Gerais. Gostava de música, teatro, era finíssima. Quando meu pai morreu, eu tinha 9 anos e ela se mudou com três filhos para o Rio de Janeiro. Em Minas, ela era a dona Alaíde. No Rio, virou só a lavadeira que criava as crianças sozinha. Não éramos convidadas para as festas das meninas ricas - e convivíamos com elas. Essa diferença logo me tocou. Quando quis ser atriz, mamãe me apoiou, mas todos falavam: "Desiste. Não tem artista preta!". E não tinha mesmo. Dizem que as coisas estão melhorando. Melhorando nada! Se você não luta, não consegue. Estou há 40 anos na TV Globo e já engoli sapo, perereca, rã… Tudo para conquistar espaço. Quantas vezes fingi não ouvir certas coisas ou abri um sorriso falso para sair de uma situação? E eu sei que, na hora de negociar contrato, negro ganha menos. Graças a Deus, hoje posso dizer não. Não pude por muito tempo.

Lúcia Helena - Além de ganhar menos, a mulher negra enfrenta a questão da "boa aparência". No mercado de trabalho, boa aparência é ser branca. Sou empregada doméstica e a maioria das minhas colegas também é negra. Por quê? Nós não conseguimos emprego melhor.

Ruth - Já reparei que quase nunca há vendedora negra em loja de shopping.

Lúcia Helena - Tenho 45 anos e virei doméstica aos 12. Levou tempo para saber que sou cidadã. Antes, o patrão dizia "pago isso" e eu aceitava, porque não tinha outro jeito. Mas aí soube dos salários de algumas colegas e descobri meus direitos. Minha carteira foi assinada na marra. Agora sei que preciso me informar e me defender. Adianta? Não como deveria. Mas pelo menos a gente grita.


A cor da minha pele
"Dá para ficar calejada com o que acontece" Denise F. da Silva, MC do Anastácias 
Monique - A gente tem que se impor a todo momento mesmo. Até para afirmar o orgulho da própria negritude. Já cansei de ouvir: "Você não é negra, tem pele clarinha, cabelo bom. Pra que trançar esse cabelo?". As pessoas se incomodam por eu celebrar minha negritude. Dizem que eu sou parda, moreninha, menos negra. Como se fosse ofensa.

Ruth - Ninguém quer assumir sua negritude no Brasil. No Censo do IBGE, negro diz que é café-com-leite, marrom…

Denise - Eu, Malizi e Cláudia, nós do grupo Anastácias, somos do Rio Grande do Sul, onde o contexto é diferente, a população não tem nem 10% de negros. No Sul, é preciso endurecer para se impor. Dá até para ficar calejada com as coisas que acontecem. Eu e minhas amigas, todas negras, nos reuníamos num lugar em Porto Alegre e os playboyzinhos passavam por nós e diziam: "Suas macacas, vão arrumar esse cabelo".

Magali - No Brasil, somos vistas como cultura marginal. A gente sai de casa com todo o espírito de "sou negona" e é desrespeitada na rua. O preconceito opera aqui a partir da cor da pele, não da classe social. Mas há a nossa resistência.

Isabel - Aos 11 anos, quando comecei a trabalhar como modelo, era a única negra da agência. Sou filha de um militar e uma dona-de-casa, éramos pobres. Minhas melhores roupas eram da C&A e eu sempre dava um toque africano no meu visual. Agora, em 2004, reencontrei o dono da tal agência, que me disse: "É, apesar de tudo, você sempre andou bonitinha". Escutei e pensei: "Caramba, ele acha que é elogio dizer que, mesmo sendo negra e pobre, eu sabia me arrumar?".
"Temos que usar a estética que quisermos"Magali da Silva Almeida, professora da UERJ 
Magali - Quando a gente faz algo diferente, bota trancinha, vira uma coisa folclórica, exótica. Chego na universidade com minhas roupas coloridas, cabelo trançado e as pessoas falam: "Uau, Magali". Você vira motivo de admiração. E aí pode até surgir outro problema: você deixa de ser inteligente para ser a mais bela… Temos que usar a estética que quisermos. Quer cabelão black? Tenha. Você vai derrubar preconceitos o tempo todo mesmo. Uns dirão "que lindo", outros vão querer desinfetar com álcool.

Ruth - Sempre tive consciência de que precisava de uma postura diferenciada para vencer. Uma atriz negra não poderia copiar o comportamento das mocinhas brancas. Aprendi isso quando fui estudar nos Estados Unidos. Vi que os negros americanos gostam de estar bem arrumados, não tratam de negócios com roupinha de ir à feira. Eu não tinha dinheiro para comprar roupa, então pegava meia dúzia de peças clássicas e estava pronta. Até na Globo vi isso. Regina Duarte podia ir de sandália de sola de pneu, de qualquer jeito. A Beth Faria ia com roupa hippie e tudo bem. Eu, não. Tinha de ir arrumada, com roupa bem passada e limpa. O tratamento é diferente. As pessoas falam que já foram barradas por porteiro. Comigo nunca aconteceu. Acho que é a minha postura.


Discriminação
"Se você é negra, então é suspeita"Roberta Rodrigues, atriz 
Roberta - Mas acontecem coisas horríveis, sim. Em 2002 entrei numa loja para comprar roupas com uma amiga, ruiva, linda. Experimentamos várias peças que deixamos separadas para buscar no dia seguinte. Quando voltei à loja, notei que a gerente foi me seguindo. Como ainda tinha que experimentar outras peças, entrei no provador, mas essa senhora abriu a porta e gritou: "Você não vai vestir minhas roupas!" Eu estava quase nua, a loja cheia… Foi a pior coisa da minha vida. E antes de entrar no provador eu ainda deixei minha bolsa numa bancada, tive esse tipo de cuidado para evitar qualquer tipo de suspeita, sabe?

Malizi - Também tenho esse cuidado. De tanto ver segurança seguindo você em loja, vira um hábito automático policiar os próprios movimentos. Para ninguém pensar que você vai roubar algo.

Roberta - É terrível. As pessoas impõem isso 24 horas a você. Porque, se é negra, então é suspeita. Nesse dia em que a gerente me humilhou, chorei, me senti um lixo. Mas processei essa mulher. E ganhei. Não foi a única vez em que tive de ir à Justiça. Em outra ocasião, experimentei um brilho labial do mostruário de uma linha de maquiagem e a dona da loja me disse que ia passar álcool no produto! Saí e fui direto para a delegacia. No julgamento, essa mulher dizia para o juiz: "A menina é louca, eu amo todos os negros e pobres". Não quero que me ame! Quero que me respeite, e só.

Roberta - E há coisas piores. Uma amiga saiu de uma loja e foi jogada dentro do camburão da polícia! Na delegacia, viram que ela não tinha nada na bolsa.

Lúcia Helena - Fui com uma amiga, também negra, comprar um brinco a crediário e não conseguimos. Outra colega, branca, foi à loja, no salto, e fez a compra. Processamos e a loja teve que se desculpar. Quem é doméstica sofre duplo preconceito. Eu fazia faxina num condomínio chique, entrava todo dia pela portaria social e pegava o elevador social. Aí o segurança veio falar comigo. Respondi bem assim: "Para mim, todo mundo vai passar". E continuei fazendo o que queria. Sabia que estava calçada. Já tinha conversado sobre isso com a advogada do sindicato. As pessoas têm medo de ir atrás dos seus direitos. É questão de educação. Fui criada ouvindo que não podia nada. Mas a gente aprende.


O Brasil na TV
"Demorei para me descobrir cidadã"Lúcia Helena de Souza, doméstica 
Ruth - Uma minoria está aprendendo. O que me deixa revoltada é a falta de união e de reação da maioria. Fica aquela conversa: "Ah, a gente não pode isso, não pode aquilo. Não vão me deixar entrar porque sou negra". O que é que é isso? Eu toda vida cobrei. Na Globo mesmo. Em uma novela, haveria um desfile de moda e só tinha mulher branca para a cena. Questionei. O roteirista disse que tinha que mostrar a realidade. Ah, que realidade existe em novela? Já teve mulher que explodiu, homem que virou lobisomem! No dia seguinte, apareceram uns mulatinhos no desfile. 

Monique - Numa palestra, um autor de novela disse que não colocaria negros na sua trama porque não existem negros médicos, advogados… Que não corresponderia à realidade. A TV é 100% branca! Cadê o país mestiço? Só vale para o futebol e o samba? E os brancos não estariam "invadindo" esses espaços negros? Ninguém questiona.
Magali - Existem negros célebres, sim. E o engenheiro André Rebouças [empresário e abolicionista que viveu de 1.838 a 1.898 e revolucionou a técnica de construção de portos no Brasil]? E o escritor Machado de Assis? Por isso, insisto que educação é fundamental para diminuir o racismo. Nos Estados Unidos, há banda de funk cujos cantores são doutores em regência, e por grandes universidades. 


Educação e religião
"Comecei com um papel específico para negra" Isabel Fillardis, atriz 
Isabel - Não estudei para ser atriz. Entrei na TV para fazer um papel específico para negra e fui emendando trabalhos.

Magali - Mas o poder instituído pode buscar mecanismos para invalidar a sua competência. Se houver um branco que tenha qualificação, vão dizer: "Entrou no seu lugar porque tem título". E a sua competência vai para o ralo. Meu pai era office-boy em banco e chegou a subgerente - sub, porque preto não chegava à gerência. Hoje a história do meu pai não se repete: é preciso ter não sei quantos títulos e cursos para ser subgerente. Monique - Por falar nisso, quero falar das cotas. Sou filha, neta e bisneta de domésticas. Como elas, estudei em escola pública. Em 2003, entrei em Direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro pela cota para negros [em 2002, a UFRJ foi uma das universidades a implantar o sistema de cotas, corrigido depois. Hoje, 20% das vagas são reservadas para negros ou pardos de famílias carentes ou que estudaram em escola pública, 20% para alunos da rede pública e 5% para deficientes físicos]. Muitos diziam que os cotistas iriam baixar o nível da faculdade. Mas uma pesquisa revelou que os cotistas se deram até melhor [49% passaram de ano sem exame ou dependência, contra 47% dos não-cotistas]. Meu grupo de cotistas negros sai da aula e corre para discutir a matéria na biblioteca. A gente corre atrás.

"No tempo de estudar, tive que ir trabalhar" Dona Obassy, mãe-de-santo 
Magali - Vale lembrar que cota é política pública, não é caridade nem privilégio. A política deixa explícito para a sociedade que os brancos sempre tiveram praticamente 100% das cotas na educação. Há quem diga que o negro vai ser discriminado dentro da universidade por isso. E não é discriminado fora? Que vá à luta lá fora, só que mais qualificado.

Monique - Houve uma discussão sobre a menor pontuação de candidatos que entraram pelas cotas. Quer dizer que o aluno com maior pontuação é o mais capaz? Não acho. Há um caso famoso de um estudante de odontologia que obteve baixa pontuação em 2002. A universidade fez acompanhamento desse aluno e ele passou em todas as matérias. Então, não é que não somos capazes. É preciso melhorar o ensino público de um modo geral, para que todos possam competir em igualdade. 
Dona Obassy - Sempre sonhei em estudar, mas, no tempo de estudar, tive que trabalhar. Me aposentei como merendeira de escola. O que me realizou foi, em 2002, ver minha filha formada pela PUC. Eu só chorava na formatura dela: 30 anos antes, por causa de uma enchente que levou meu barraco, fiquei abrigada na mesma faculdade, com essa filha no colo. Hoje ela é assistente social e só pôde fazer universidade porque ganhou bolsa. 

"Ouvia que cadomblé é coisa do demônio" Monique Camilo, estudante de Direito 
Monique - Quando cheguei na universidade, pensava: "Não acredito que estou aqui!". Fiquei em estado de choque por estar realizando um sonho de gerações.

Magali - A experiência de se integrar a espaços tradicionalmente brancos é interessante. Sou a primeira da família a fazer universidade e, quando passei no concurso para ser professora da UERJ, também não acreditei. Até desmaiei. Caí, puft. Ali estava a nata pensante do Brasil! Me questionava: "Quem sou eu? Sou mulher da Baixada, negra, pobre". Ser mulher negra é diferente. Sempre faço questão de falar "nós, negras" para deixar claro o que represento. Somos herdeiras de grandes mulheres, violentadas na senzala. Representamos a resistência dessas mulheres que, depois da abolição, enfrentaram uma política para afastá-las da sociedade. Elas tiveram que ser domésticas, prostitutas… E, apesar de tudo, estamos aqui, fortes, dizendo que é preciso acreditar na nossa cultura.
Dona Obassy - Você tocou num ponto importante. Nossa cultura é atacada e negada pela sociedade diariamente. O que fazem com as religiões de origem africana? Sempre sofremos perseguição. Dessa vez, é dos evangélicos. Pastores dizem que o que faço é coisa do demônio, que as mulheres do candomblé são desocupadas. Até 1930, a prática era crime. Foi liberada, mas a perseguição continua.

Magali - As pessoas têm uma visão distorcida do candomblé. Nós, até. Veja minha história: fui criada na Igreja Católica. Depois, fui estudar minha herança africana. Há dois anos, um amigo me convidou para ir ao terreiro mais tradicional do Rio, o de mãe Meninazinha de Oxum. Ele me levou e não acreditei: ficava nos fundos da casa dos meus pais! Imagine, cresci ali e nunca tinha ouvido um batuque sequer! Meu ouvido não era educado para ouvir aquilo. 
Monique - Elogiei e peguei no colar de uma colega, e ela disse: "É uma guia [colar ritualístico]". Pensei: "Ai, meu Deus, o que vai acontecer comigo?". Tive medo. Cresci ouvindo que aquilo era coisa do demônio. A colega percebeu e falou algo que nunca esqueci: "Olha, tudo o que você sabe sobre a nossa religião foram os brancos que ensinaram". Vi o quanto eu era ignorante e preconceituosa.


A luta é de todos 
"A gente carrega uma carga pesada" Cláudia Talita da Silva, DJ do Anastácias 
Monique - A luta contra o racismo não é uma luta exclusiva do negro. O que queremos é uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Negros representam 45% da população, de acordo com o IBGE. Devemos até ser mais… Como construir uma sociedade melhor com essa parcela excluída?

Cláudia - Falei pouco no debate, mas quero dizer que uma conversa como essa é importante porque a gente se sente menos sozinha [voz embargada, com lágrimas nos olhos]. Quando você assume a sua condição de mulher negra, começa a lutar por seu espaço, sente o tamanho da carga que carrega. Mas há montes de mulheres que não se deram conta de que é preciso despertar e se valorizar. Graças a Deus eu me encontrei no hip-hop, que me fortaleceu. 
Malizi - [emocionada] Ai, que choradeira. No começo dessa conversa, a gente falou sobre se policiar em lojas para que não pensem que vou roubar algo. Confesso que até na rua evito andar na calçada atrás de pessoas brancas. Não quero presenciar alguém agarrando a bolsa quando me vê. Mas agora faço um voto aqui de que vou cancelar esse meu policiamento constante. 

"Não ando atrás de branco. Evita suspeitas" Malizi Gonçalves, MC do Anastácias 

Denise - É preciso levar adiante os nossos sonhos. Muitas não se permitem sonhar. Eu me permito, sim, em nome de todas as negras que não puderam fazer isso no passado.


Ruth - A luta da mulher negra vai crescendo de acordo com a postura de cada uma de nós e com a vontade de a gente realizar coisas. É preciso unir forças, não tem jeito. E não podemos só reclamar que os brancos isso ou os brancos aquilo… Tenha força de vontade para realizar seu trabalho, seu estudo, sua carreira e seu sonho. Essa semana, decorei um texto que achei lindo. Diz assim: "Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores". Não é bonito?  




Apesar de ser uma entrevista antiga, os mesmos relatos continuam - os mesmos relatos, talvez não com elas, pois algumas ganharam fama na televisão e talvez não passem por isso hoje em dia, porém, existem várias negras, vários negros que passam por muita coisa, fato é que o preconceito sempre existiu e sempre existirá. Existe UMA coisa pior que o politicamente correto, aquela praga que transforma anões em “verticalmente diferenciados”, retardados em “especiais” e gordos em doentes coitadinhos. É a praga da discriminação condescendente. 
É o racista que não tem os cojones de dizer “não gosto de preto”. Não porque não goste, é pior que isso. É o racista que tem pena, acha que o sujeito não tem culpa de ter nascido NEGRO. Aí usa um monte de eufemismos não para negar a condição do objeto do discurso e sim para se mostrar com compaixão pelo outro.
Quem fala “crianças especiais” está negando, a menos que a criança em questão saiba voar, atravessar paredes, gerar campos magnéticos, falar com mortos e etc..
A atriz Juliana Alves, que já foi a formosa Suellen da novela global Caminho das Índias, estampou a capa da Playboy de outubro de 2009. Vejam só o trecho da capa:



"... A morena já havia recebido propostas para posar nua, mas só agora ela diz que “se sente segura”.


Gente como assim morena? Morena é a Juliana Paes, a Alves ao que me conste é negra, honorável sucessora da belíssima Isabel Fillardis no imaginário masculino, e contemporânea da Taís Araújo, mas essa já é do Lazaro Ramos.
Eu ouvi muito essa distorção, mas achei que tinha caído em desuso. Caramba, nem o termo politicamente incorreto para “negra bonita”, que é “mulata” se usa mais? Fala sério.
Será que ao usar “morena” e remover a Juliana de sua etnia o autor do texto quis fazer um “elogio”, dizendo que é bonita demais pra ser negra?
É isso que me passa. Já vi o uso do termo por exemplo em Capitães da Areia, mas a Bahia do começo do Século passado era muito mais propícia a racismo velado do que as redações dos informativos online do Século XXI.
Ao menos acredito eu, mas como também tenho um pé na senzala não devo ser tão inteligente, ou me chamariam de Mãe de Santo morena. 


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Trança *Nagô*: A Raiz da História #8 - "Rehab”

Trança *Nagô*: A Raiz da História #8 - "Rehab”: Protesto defendendo o cabelo natural Por:Élida Aquino Olhei meu histórico de posts aqui e senti vergonha por nunca ter escrito decentemen...

Estudos mostram que "modo de vestir é um dos escudos das mulheres negras contra o preconceito racial".

Mulheres negras encontram em suas vestimentas um escudo contra o preconceito racial. Essa é uma das conclusões tiradas por uma pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo o trabalho, algumas mulheres afrodescendentes encontram nas roupas uma couraça de proteção e resistência. A pesquisa foi realizada pela educadora Kiusam Regina de Oliveira para conclusão de seu trabalho de mestrado.
Kiusam entrou em contato com doze mulheres afrodescendentes que lecionaram na década de 50 e registrou a trajetória de vida de duas professoras e constatou que tanto as entrevistadas, como as demais mulheres com quem tomou contato para realizar o seu trabalho, costuravam e produziam roupas que "encobriam" um corpo afrodescendente.
"Elas relatam com uma precisão de detalhes as roupas que utilizavam na época e que chamavam a atenção, de maneira positiva, das pessoas com que elas conviviam. Trata-se de uma dialética de resistência", explica Kiusam.
Sabe-se que as mulheres negras enfrentam uma tripla discriminação: de gênero, raça e econômica. No entanto, há poucos registros, em especial históricos que esclareçam os efeitos psicológicos causados por essa violência - esse foi o objeto de estudo da pesquisadora.

O trabalho de mestrado, "Duas Histórias de Autodeterminação: a construção da identidade de professoras afrodescendentes", aponta ainda que as mulheres estudadas vivem sob um constante processo de construção, desconstrução e reconstrução da identidade em função da aceitação no meio em que estão.
"É na escola que os afrodescendentes descobrem a cor como algo negativo. A partir daí se inicia o processo de desconstrução do aprendizado familiar e as alternâncias do estado da auto-estima", diz Kiusam.
Desde os sete anos, as duas entrevistadas precisaram "implorar", segundo Kiusam, por vagas nas escolas. Uma delas foi inserida na sala de aula como aluna ouvinte(não podia escrever, falar e ficava segregada do restante da turma). A segunda entrevistada apanhou de uma professora por ser "preta e pobre".
Estratégias - Quando se tornaram professoras a situação não melhorou: os colegas de trabalho não lhes dirigiam a palavra, elas se sentiam invasoras do espaço dos brancos e, muitas vezes, se submetiam a situações humilhantes. O problema, segundo a pesquisadora, é que, aos poucos, as professoras assumiam um processo de "cauterização das experiências" - não reagiam às agressões e agiam como se fossem culpadas.
Em muitos casos, o silêncio era a única forma encontrada para o preconceito. Uma das professoras entrevistadas foi mandada embora porque uma professora se recusou a dormir no mesmo ambiente que uma negra "fedida e que causava alergia". O argumento foi aceito sem contestação.
Kiusam afirma ainda que é necessário ampliar o debate sobre qualidade de vida e as questões psicológicas dos afrodescendentes e racismo e cita como exemplo o fato de atualmente essa comunidade estar fixada principalmente na periferia. Segundo ela, muitos professores têm dificuldades em lidar com crianças negras pelos mais diferentes motivos, inclusive por preconceito.
"Ao ampliar o debate sobre o tema e discutir racismo não apenas nas escolas, mas em várias áreas sociais, temos a possibilidade de encarar nossas dificuldades e esse é o primeiro passo para superarmos preconceitos", finaliza.

( por: Raquel Souza)

I Love My Hair/ eu amo meu cabelo!! O cabelo da negra e do negro, qual a beleza que ele guarda?



Começo meu post perguntando porque hoje em dia muita mulher afro-brasileira ou a mulher que tem um cabelo crespo ou cacheado procuram um salão de beleza para alisá-los e dá adeus aos seus lindos cachos? seja eles como forem, uns mais encaracolados do que os outros, mais é aí que mora a beleza desse tipo de cabelo. Vemos hoje em dia, uma mulher quando mantém um cacho ela faz uma franja que se mostra alisada pelo secador e chapada, falo das mulheres porque são as primeiras que mudam seus lindos cabelos, os homens por mais metrossexuais que sejam costumam manter seus cabelos afros, não escondem quem são. Muito comum vocês verem uma mulher com os cabelos pintados, exageradamente, de loiros, não que não seja bonito, mas negra que nasce com os cabelos crespos, negros ou castanhos seriam mais originais se mantivessem seus cabelos na cor que nasceram, porém bem mais cuidados. 
Muitos termos deram aos cabelos crespos; Tuim, encaracolados, espiralados, cabelo sem queratina, afro, cabelo duro, etc.. Esse ultimo ganhou até uma música "...negra do cabelo duro que não gosta de pentear..." eu sinceramente detesto esta música, se é que podemos classificar esta coisa de música. 
Deixo aqui o meu recado, amem a vocês negras lindas e se assumam, quando vocês aprenderem a se assumir, vocês verão que seu cabelo, seja qual for a classificação que queiram dar para ele, é muito lindo. De certo que nunca seremos uma Cinderela, mais notaremos que somos uma princesa Tiana, NEGRA  e BELA, com nossos cabelos crespos.
Vejamos uma sequencia de fotos de homens negros e de mulheres negras que assumem quem são, para vocês se inspirarem neles:












Então como está seu cabelo hoje? 
Qual a cor dele hoje? 
E o mais importante, Qual a SUA COR?

domingo, 17 de julho de 2011

E por falar de torço, vamos ver a alta costura dos deuses afros!

Indumentária afro-brasileira sobrevive como símbolo da cultura, da religião e da resistência dos negros no país.
Começa através das mãos da mãe, da avó ou da madrinha de um recém-nascido o primeiro ritual pelo qual passa uma criança nos terreiros de matriz africana. São elas que tecem ou encomendam um tecido que terá significado especial por toda a existência do descendente e mesmo após sua passagem pela terra. Dezesseis dias depois de nascer, a mão materna envolve o bebê no pano da costa especialmente lavado, incensado e perfumado para a ocasião. É assim que tem início o ikomojadê, cerimônia que apresenta, pela primeira vez, um novo filho ou filha às divindades reverenciadas no candomblé. É sobre esse tecido que a criança fica deitada, enquanto o líder religioso da casa profere palavras sagradas de prosperidade ao recém-nascido. O grupo faz saudações especiais diante de Xangô, Dadá, Oxum e Iemanjá. Depois, derrama um pouco da água da quartinha na cabeça da criança. Em alguns locais, nesse momento é escolhido um nome em iorubá para o bebê. “É uma comemoração à vida, ao nascimento. Você só pede coisas boas para aquele bebê. Esse tecido branco vai acompanhá-lo para sempre”, explica e egbomi Cici, do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju e pesquisadora da Fundação Pierre Verger. Guardado pela família, o tecido do Ikomojadê estará ao lado da criança até o dia em que, jovem ou adulta, se despeça da vida. Ainda que o ritual tenha variações – em algumas casas, ocorre no nono dia – ele revela pistas da importância da indumentária para a cultura negro-africana transportada pelo processo forçado da diáspora. Um pedaço de pano pode simbolizar a sobrevivência de toda uma identidade e conservar detalhes fundamentais de uma cultura. É possível perceber as diferenças entre o povo de nação jeje, angola e iorubá apenas pela maneira de amarrar o torço na cabeça, só para citar um exemplo. O simples gesto de prender os cabelos num turbante, herança que sobrevive através das vestes das baianas de acarajé, preserva a riqueza de um hábito iniciado do outro lado do mar. E não foram apenas os escravos seguidores da religião de raiz africana que reafirmaram a identidade através da forma de se vestir. Os negros muçulmanos eram tão reconhecidos por suas roupas nas ruas da velha Salvador que, graças a elas, foi possível constatar o papel central desempenhado pelos malês na rebelião de 1835. “Os rebeldes – ou uma boa parte deles – foram para as ruas com roupas usadas na Bahia pelos adeptos do islamismo. No corpo de muitos dos que morreram a polícia encontrou amuletos muçulmanos e papéis com rezas e passagens do Qur’an usados para proteção. Essas e outras marcas da revolta levaram o chefe da polícia Francisco Gonçalves Martins a concluir o óbvio: ‘o certo’, escreveu ele, ‘é que a religião tinha sua parte na sublevação’”, descreve o pesquisador João José Reis em Rebelião Escrava no Brasil. Vestir-se bem é questão de honra entre os africanos e seus descendentes. Seja para homenagear uma divindade ou para mostrar prosperidade, é preciso estar elegante. Elegância não necessariamente à européia, apesar de alguns itens do vestuário nagô terem, sim, influência nas volumosas anáguas e rendas da Corte. O charme de um traje africano está na combinação de cores fortes, ou no branco soberano. Está no jeito de amarrar, sem dar um único nó, um tecido na cintura, e ele não cair nem com o mais rápido dos movimentos. Está na escolha de acessórios que, quanto mais tribais, mais contemporâneos parecem. Não é sem razão que os ícones da moda resgatam, cada vez com maior freqüência, as influências étnicas. Estampas, balangandãs, colares, brincos e pulseiras têm espaço hoje até mesmo nas mais badaladas vitrines.
O segredo de seu uso, entretanto, é guardado para poucos. É preciso ter a personalidade de quem não se curva diante das adversidades para exibir sobre o corpo, com elegância, cada uma dessas peças. A pele negra reluzente ajuda, mas não é só isso. Há uma sutileza no caminhar, no jeito de se sentar e até no modo de encarar alguém. Quem se entrega, de corpo e alma, à história preservada em uma roupa, esse sim, ganha porte de rei ou rainha.
Partido-alto
De tão bem vestidas, as negras da irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte arrancaram aplausos entusiasmados de milhares de pessoas no desfile do 4º centenário de Salvador, em 1949. Impressionado com os torços, saias rendadas, cordões e brincos de ouro, Odorico Tavares classificou a passagem desse grupo de “pretas baianas, de idade avançada, caminhando serena e nobremente, como se fossem autênticas rainhas” como o maior momento do cortejo.
Roupa é assunto tão sério que o termo “mulher de saia”, na década de 30, designava um grupo de baixo poder aquisitivo, que se opunha às mulheres de vestido. Talvez como vingança às más línguas que apontavam com desdém e pena as mulheres que precisavam trabalhar, aquelas que se destacavam no ramo respondiam com luxo às críticas. Comerciantes de sucesso, desbravaram mercados, cozinharam, lavaram, costuraram e muitas juntaram dinheiro suficiente para comprar boas roupas e jóias de ouro reluzente. Surgiam, assim, as famosas negras do partido-alto. A roupa usada por elas nos dias de festa, o traje de crioula, deu origem ao vestuário da baiana de acarajé. Da rua e das irmandades para o interior dos terreiros, o cuidado com a forma de se vestir é o mesmo. Agradar ao orixá, inquice ou vodum, nomes diferentes para as mesmas forças da natureza nas nações de origem ketu, angola ou jeje, respectivamente, é sem dúvida uma de suas principais razões. No candomblé, a divindade traz a energia fundamental, o axé, através do corpo do iniciado. Para recebê-lo, há trajes com cores e peças específicas, além de acessórios como ferramentas e fios de contas. Juntos, eles narram a história de cada entidade. Ajudam a contar, através dos movimentos da dança, os atos heroicos e exemplares do orixá.“A roupa é a expressão mais sofisticada de uma religião que trabalha com o elemento estético como determinante”, afirma o historiador Jaime Sodré. A indumentária em um terreiro é tão organizada que expressa, inclusive, os graus hierárquicos de seus filhos. Só os mais antigos devem usar os trajes mais paramentados, cheios de fitas e bordados. É uma forma de reverenciar a sabedoria dos mais velhos. Se os antigos filhos de orixá aprendiam a confeccionar suas próprias roupas no período de iniciação religiosa, hoje essa tradição corre o risco de se perder. Alguns terreiros têm promovido oficinas para transmitir às novas gerações o legado artístico de seus antepassados. O poder dessa alta costura de origem africana é tão forte que há muito ultrapassou a porteira dos terreiros. Reflexos dessa influência podem ser percebidos pelas ruas da cidade. “Basta olharmos a quantidade de pessoas vestidas de branco na sexta-feira, dia de Oxalá, e os homens e mulheres de vermelho na quarta, dia de Xangô e Iansã”, descreve Jaime Sodré. Mesmo sem ligação com a religiosidade, o simples hábito de adotar, no cotidiano, elementos de inspiração afro-brasileira revela que, mais do que uma forma de cobrir o corpo, a indumentária tem a capacidade de preservar parte importante da identidade e da cultura de um povo.
HIERARQUIA DO TRAJE
Somente aos mais antigos iniciados do candomblé é permitido o uso de todos os elementos do figurino afro-brasileiro. A beleza dos trajes de ialorixás como Mãe Menininha do Gantois, Mãe Neide Oyá d'Oxum, Mãe Polly d'Yêmanjá,  Mãe Runhó e tantas outras exprime mais do que o esmero das costuras impecáveis. Quem conhece o universo da religião dos orixás sabe que somente pessoas com alto grau hierárquico podem usar todos os elementos do figurino afro-brasileiro. No candomblé, o tempo de iniciação religiosa é diretamente proporcional à importância e à reverência feita a cada membro da comunidade. Lá, o tema cada vez mais atual do respeito à terceira idade sempre foi regra. Nos terreiros, cabelos brancos são sinal de autoridade.
Foto de Welton Araújo
Foto de Welton Araújo
Por mais posses e dinheiro que um iniciante tenha, ele terá que começar como todos os outros: vestindo a roupa de ração. A vestimenta dos abiãs, nome dado aos recém-chegados, assim como a dos iaôs e muzenzas – espécies de noviços – é a mais simples possível. Branca dos pés à cabeça, confeccionada em morim, inclui o camisu ou camisa de crioula. Para os homens, a calça de ração. Para as mulheres, a saia de crioula. A cabeça, parte do corpo mais importante por guardar o axé, estará sempre coberta pelo ojá. Tudo sem rendas, babados ou decotes.
Cor ancestral
“O branco, que representa a paz, é a cor de Oxalá, o pai de todos os orixás. Ele não é respeitado apenas pelas pessoas, mas também pelas outras divindades”, explica a ekede Cinha, do Terreiro da Casa Branca. Associado à ancestralidade, o branco de Oxalá é a cor utilizada no “nascimento” de um novo iniciado e também nos rituais fúnebres, chamados de axexê. “Para nós, a vida e a morte têm quase o mesmo significado, porque não acreditamos em um fim. Quando morremos, viramos ancestrais”, explica a ekede.
Nenhuma fita enfeita a barra da saia de uma iaô. O primeiro adereço é adicionado quando ela completa um ano de iniciação. No terceiro ano, ganha mais duas fitas. No sétimo, são mais quatro. “Serão feitas roupas belíssimas de acordo com o tempo de iniciação e também com as posses. O tecido vai variar, mas se for uma iaô, mesmo rica, ela não pode se vestir como as mais velhas”, explica Dona Cici, que ocupa o cargo de egbomi, um dos mais respeitados das casas de matriz africana, já que só é concedido aos mais antigos.
Essas gradações no trajar servem, inclusive, como maneira de identificar ocupantes de altos postos religiosos nos terreiros. “Se chega uma pessoa toda paramentada, você vai tomar a bênção”, exemplifica Jaime Sodré. Mas a roupa de ração nunca é esquecida: é ela que todos os integrantes da religião usam para desempenhar as atividades e obrigações cotidianas.
Identidade no torço
Durante o período da escravidão, era comum perceber as diferenças entre as culturas africanas trazidas ao Brasil através de detalhes da roupa. Entre as nagôs, o ojá era amarrado com várias voltas ao redor da cabeça. Já as negras jeje usavam um lenço sobre os cabelos. Dobravam o tecido em formato triangular, com a ponta para trás. “Até hoje, em Cachoeira, você conhece quando uma negra é de origem jeje pela forma de amarrar o torço”, compara a egbomi Cici. Preocupadas em esconder o cabelo, as muçulmanas amarravam o turbante com as pontas soltas para trás. Usavam, ainda, o pano-da-costa sempre do lado esquerdo.
Cobrir a cabeça era tão importante para o povo antigo que, de acordo com muitos relatos, era tradição, só sair de casa com torço ou chapéu. De acordo com José Valladares, em O torço da bahiana, mais de uma razão levava a crioula a conservar a cabeça protegida. “A primeira é resguardá-la contra o sol, sereno e chuva. A segunda é de ordem religiosa: realmente, se não com um turbante, como poderia sair à rua a filha de santo que terminou sua iniciação e que por isso está com a cabeça raspada?”.
Mistura de influências
Justamente pela preocupação em cobrir todo o corpo, as negras islâmicas preferiam os tecidos pesados e quase não usavam bordados. O muçulmano, mesmo quando descalço, sinal da condição de escravo, andava com o corpo todo coberto. Já a nagô se esmerava para produzir os mais belos bordados e muitas anáguas, devido à influência da Corte portuguesa no Novo Mundo.
Se a Europa tem sua cota de participação no figurino dos descendentes de africanos no Brasil, também é grande a herança árabe-islâmica. “O turbante é reconhecidamente de influência mulçumana, que chegou ao Brasil provavelmente através dos escravos islamizados, durante o Ciclo da Baía do Benin no século XIX, e também pelos portugueses”, afirmam as pesquisadoras Juliana Monteiro e Luzia Gomes Ferreira no texto As roupas de crioula o século XIX e o traje da beca na contemporaneidade: símbolos de identidade e memória. As chinelas com ponta virada, utilizadas por algumas negras em ocasiões especiais, bem como as batas longas e bordadas à mão, são também referências islâmicas. Enquanto as muçulmanas pensavam em esconder o corpo, as nagôs ostentavam o charme dos camisus bordados em richelieu, como veremos adiante. Mas não era somente nos século XVIII e XIX que os negros utilizavam a roupa, no cotidiano, como expressão de sua identidade. Hoje, já existem membros da religião dos orixás que usam peças da indumentária africana fora dos rituais religiosos. É o caso do babalorixá Balbino Daniel de Paula, fundador do Ilê Axé Opô Aganju, localizado em Lauro de Freitas. Seja nas tarefas domésticas, seja em compromissos sociais como uma festa, casamento ou restaurante, é com roupas do continente de seus ancestrais que ele comparece. Em casa, Balbino amarra na cintura um tecido africano de cores vibrantes. Mesmo sem nenhum nó ou laço, o pano não se solta mesmo com movimentos rápidos. A técnica é mesma feita pela estilista nigeriana Rasidat Lola Akanni, proprietária da loja Abitoks, no Pelourinho. “Posso ir em qualquer lugar, que ele não solta”, garante. O babalorixá do Aganju foi um dos primeiros líderes religiosos do sexo masculino a usar peças africanas em lugar dos trajes civis, como calça e camisa. A transformação aconteceu na década de 70, após sua primeira viagem à África. “Quando eu tive oportunidade, comecei a usar. Passei a me sentir bem dentro delas”, conta.
Nas festas religiosas e ocasiões especiais, Balbino se veste com a elegância de um rei nagô. “O Papa não tem suas roupas? Nós também. Para cada festa de orixá, eu boto uma roupa daquela divindade, afinal, tenho que representar a minha religião. Para mim, andar bem arrumado é uma obrigação”, afirma. Ao lado dos tecidos especiais, o filho de Xangô combina cada peça ao fio de contas mais adequado à ocasião. No guarda-roupa, acessórios como um anel em formato de pássaro que pertenceu ao Rei da cidade de Agongô. “Ele era de Carybé. Eu ganhei de presente”.
Filha de Iroko
Também foi com vestes de rainha que a egbomi Cidália Soledade entrou no salão nobre da Câmara de Vereadores, no último dia 20 de dezembro. As portas do poder legislativo foram abertas para celebrar, em sessão especial, os 70 anos de consagração religiosa de uma das únicas filhas do orixá Iroko de que se tem notícia. Mesmo sentada numa cadeira de rodas, a imponência do traje branco e azul claro em richelieu mostrava a autoridade da senhora de 77 anos. Em seu discurso, ressaltou a importância da hierarquia, citando o nome de todas as ialorixás do Gantois, terminando com uma homenagem aos ancestrais. “Presto reverência a todos que vieram no navio negreiro. Eles são grandes responsáveis pelo sobrevivência de nossa cultura”.
Cidália ainda se lembra do dia em que, sete décadas atrás, ganhou roupa nova, duas tranças com laço de fita azul e até sapato, um enxoval completo feito sob medida para a data especial. O único problema foi domesticar dentro das sandálias os pezinhos acostumados à liberdade. “Eu era gorda, você precisava ver! Fui pisando em ovos, os pés doendo. Entrei no terreiro pela porta da frente, de mãos dadas com minha avó. Não entrei doente, não. Entrei foi gorda, aquela menina de 7 anos, que parecia que tinha 10”.
Dona Cidália Soledade conta histórias da década de 30, como se tivessem acontecido na semana passada. Recorda até da sensação ao tirar os sapatos, naquela primeira visita, para pedir a bênção à ialorixá da casa, Escolástica Maria da Conceição Nazareth. “Eu vivi outra vida. O sapato ficou rolando e até hoje não sei que fim levou”. Diante da sacerdotisa imortalizada com o nome de Menininha do Gantois, a filha do orixá-árvore se rendeu aos encantos de Oxum. “Quando tomei a bênção, Menininha disse: Oh, Cidalinha, como está grande! Oxalá lhe abençoe! Seja bem-vinda e venha para ficar!”.
INDUMENTÁRIA SAGRADA
Vestuário e adornos dos orixás, inquices e voduns reverenciam a história de cada divindade.
Quem vai pela primeira vez a uma cerimônia do candomblé pode se surpreender com a diferença de cores, adornos e ferramentas associados a um mesmo orixá. Iansã, a deusa dos ventos e tempestades, por exemplo, faz aparições vestida de branco, em tons de rosa claro ou vermelho. Pode trazer nas mãos o eruexim, confeccionado com crina de cavalo. Usado para dissipar os espíritos de energia negativa, ele evidencia a ligação da deusa com a ancestralidade, afinal Iansã é a única orixá capaz de enfrentar e dominar os eguns, espíritos ancestrais. Em outras versões, carrega o alfanje, um sabre curto e largo, que herdou da época em que era esposa de Ogum, orixá do ferro e da guerra. A senhora dos raios também porta dois chifres de búfala, animal com o qual aparece metamorfoseada, em alguns contos. Ver Iansã dançar no terreiro é observar, através dos movimentos, uma guerreira sensual, arrebatadora e poderosa.
Os adornos carregados pelo orixá não são escolhidos de acordo com a preferência dos filhos de santo. Dependem, na verdade, do narram dizem os mitos sobre cada divindade. É o que os iniciados costumam chamar de “marca” ou caminho do inquice ou vodum: como ele viveu, por onde passou, contra quem guerreou. Daí os nomes Xangô Afonjá, Xangô Aganju, Xangô Baru, Oxum Apará, Iemanjá Ogunté, só para citar alguns exemplos. E que ninguém pense que esses elementos são dispensáveis nas cerimônias. “Até mesmo para representar a história evocada numa determinada cantiga, o orixá precisa da ferramenta”, explica a ebomin Nice de Oiá.
Rei de Ketu
Filhos dedicados como o babá Ossain do Terreiro Ilê Axé Opô Aganju vão a fundo na pesquisa em busca das características particulares da divindade que lhes acompanha. “Tenho uma responsabilidade grande para identificar os elementos de Oxossi e trazê-lo em essência”, afirma Mauro Rossi. O chapéu usado pelo senhor da caça na última festa do terreiro foi todo feito à mão, em couro. Oxossi geralmente carrega o ofá, arco e flecha forjado em ferro, mas pode trazer os bilala, dois pequenos chicotes, como Carybé mostra em Os deuses africanos no candomblé da Bahia. O orixá caçador também traz uma capanga, a bolsa de couro onde coloca a caça que irá alimentar o povo. Rei de Ketu, Oxossi pode portar o eruquerê, objeto sagrado que simboliza a realeza.
No culto a egum ou egungun, os espíritos ancestrais ilustres aparecem em cerimônias e rituais para trazer mensagens e boas vibrações para seus descendentes. Como, na religião de origem africana, a energia viva não deve se misturar com a dos mortos, não é permitido qualquer contato físico entre os dois mundos. Para o babá egum, é confeccionada uma roupa especial, com largas tiras de tecidos, búzios, espelhos e outros elementos que lembram sua identidade. Acredita-se que o próprio espírito dê vida ao traje que se ergue sobre o piso e desliza pelo barracão. A roupa, nesse caso, tem a importância de fazer o contato direto entre o homem e seu ancestral. É só através dela que é feita essa comunicação.
“Todos esses modelos preservam insígnias importantes para a história do candomblé”, analisa o historiador Jaime Sodré. Não se trata apenas de beleza, nem adianta escolher o tecido mais caro ou as cores mais vivas. “O orixá não enxerga o valor financeiro, nem o ouro. O que ele quer é que você esteja digno de revelá-lo em seu corpo”, acrescenta Jaime.
Preparar a roupa que será usada pelo iniciado no momento da chegada do orixá exige um profundo conhecimento da história de cada divindade. Cada ponto do tecido é costurado de acordo com as regras de cada casa, num misto de razão e sensibilidade. Por isso, muita gente defende que a indumentária litúrgica seja confeccionada somente por pessoas da própria religião. “A roupa tem que ter axé e por isso tem que ser feita na casa de candomblé”, defende Jaime Sodré. Como a procura por esse tipo de traje tem aumentado em todo o país, já existem lojas especializadas no ramo.
Jóias de Axé
O mesmo acontece com os fios-de-contas. Os que são vendidos já prontos em feiras e mercados turísticos são pouco utilizados por quem vive nos terreiros. “A confecção de uma conta é algo muito sério. Quando se enfia uma conta, você deve concentrar toda a energia em cada uma das miçangas. Depois, é preciso lavá-la com as folhas devidas. Caso todo esse ritual não seja cumprido, o elo de energia se perde”, afirma Mauro Rossi.
Foto de Haroldo Abrantes
Foto de Haroldo Abrantes
 Os fios-de-contas são assunto de tanta responsabilidade que o babalorixá é quem escolhe a pessoa que fará as primeiras contas de cada novo membro da comunidade. “Intransferível, o fio-de-contas é um objeto permanente. É acompanhante da vida, no trabalho, no lazer, nos diferentes momentos sagrados no terreiro”, diz o antropólogo e museólogo Raul Lody no livro Jóias de Axé. De todos os fios, existe um que irá seguir o iniciado por toda a vida, o runjebe. “Existe todo um ritual de rezas para a confecção dele”, explica Mauro. Essa peça, feita com miçangas marrons, corais e seguis, simboliza a história da vida daquela pessoa e vai acompanhá-la pela eternidade. De tão especial, o runjebe só é entregue na obrigação de sete anos de feitura de um iaô.
Foto de Haroldo Abrantes
Aos 68 anos, a egbomi Nice de Oiá, da Casa Branca, conhece de perto o prazer de se sentir bela. “É um privilégio recebermos essa energia da natureza, então gosto de me vestir com muito capricho para que a própria divindade se sinta bem”, afirma. Os trajes de inspiração africana já integram o cotidiano da filha de Iansã. “Sinto prazer em usar minhas roupas africanas, minhas contas, meus brincos, meus ojás. Ando a caráter no dia-a-dia porque não nego minhas raízes. Devemos nos orgulhar daquilo que somos”, enfatiza.
Orgulho também não falta aos filhos de terreiros angola e jeje. Apesar de descenderem de nações diferentes, cultuam divindades semelhantes, só que com outros nomes. “Dandalunda, que corresponde a Oxum, tem contas amarelo leitosas, em vez de douradas. Ela não usa o abebé, mas tem aquelas continhas de lágrimas de Nossa Senhora”, descreve o xicarangoma Esmeraldo Emetério de Santana Filho, o Chucuca, do Terreiro Tumba Junçara. Ao contrário do que acontece nos terreiros nagôs, os inquices femininos não se enfeitam com peças como o filá e o abebé.
Outra característica forte dos bantos é o uso de penas nos adornos dos inquices, sobretudo nos caboclos. “Os índios conviveram muito com o povo banto, que foram os primeiros escravos africanos a chegar ao Brasil. Então o uso da pena é uma forma de reverência, faz parte de nossa identidade”, explica Chucuca. Para o xicarangoma – responsável pela comunicação através do toque dos instrumentos musicais – justamente por terem chegado antes de integrantes de outras nações, houve perdas na tradição angola. “Não houve tempo para nossos ancestrais trazerem seus pertences e assentamentos religiosos. Por isso, houve uma certa influência do povo iorubá. Mas isso não justifica o que algumas fazem, falar que somos umbandistas, por exemplo”.
Intercâmbio religioso
A troca de informações entre representantes das diversas nações africanas que chegaram ao Brasil fez com que tradições se modificassem. Tanto que hoje é difícil falar em costumes exclusivamente nagôs, angola ou jeje. Apesar de, sem dúvida, provocarem a perda de certos elementos, essa capacidade de diálogo foi fundamental para a sobrevivência das expressões religiosas de origem africana.
Algumas casas, entretanto, tentam conservar ao máximo as regras ditadas pelos primeiras sacerdotisas. No terreiro que foi liderado por Gaiaku Luiza, na cidade de Cachoeira, a iniciação religiosa, por exemplo, exige um ano de dedicação do aspirante. Em outras locais, devido às necessidades de trabalho e estudo, esse tempo já foi bastante reduzido.
A estética do figurino jeje finca raízes na simplicidade. A Hunkpame Ayiono Huntoloji, ekede confirmada em 1983 pela própria Gaiaku, fala com tranqüilidade e exprime grande respeito pela religião ancestral. “Até nosso torço é diferente. Acordado, fora das festas, a gente fica sempre descalço e sem nenhum pano cobrindo a cabeça”, compara Cleuza Maria Santana Santos. Na casa de origem jeje, a hierarquia do traje envolve uma quantidade menor de adornos. Todas as filhas, mesmo as mais antigas, usam a camisa de crioula. “Só quem usa a bata é a mãe de santo. Há filhos de 40 anos de feitos que andam descalços e ainda sentam na esteira”, acrescenta.
Rei do Pano Branco
A simplicidade também é a palavra que guia as roupas e adornos do primeiro orixá criado por Olodumaré, Oxalá, o Rei do Pano Branco. Suas filhas do sexo feminino usam saia, um ojá na cabeça e outros ojás amarrados no corpo, chamados de pacajás. Os homens, em vez da saia, vestem um bombacho, tudo confeccionado em tecidos simples como o madrasto. Nas mãos, ele leva o opaxorô, ferramenta com três divisórias cheias de simbolismo. Como Oxalá é o pai supremo, ligado ao nascimento e à morte, sua força transita entre os três mundos do candomblé: o Orum, onde estão aqueles que já viveram, o Aiyê Airí, morada dos que ainda estão por vir, e a terra onde habitamos, o Aiyê. No alto do opaxorô, o pássaro Osun, que tem a missão de estar sempre acordado para tomar conta dos filhos do orixá.

FORÇA FEMININA

A roupa de crioula e o traje de beca simbolizam a ascensão social conquistada pelas negras através da religião e do trabalho nas ruas.
Festa da Boa Morte
Primeiro Dia – Irmãs vestidas de branco, numa alusão à cor do luto no candomblé.
Segundo Dia – Irmãs vestem saia preta plissada, com bata branca. O rosto e o cabelo são cobertos pelo bioco, lenço branco que homenageia as negras muçulmanas.
Terceiro Dia – É o dia do Traje de Beca, quando as tradicionais jóias de crioula são exibidas, em um ato de fortalecimento da identidade e da auto-estima dessas mulheres.
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Foto de Ricardo Prado
Foto de Ricardo Prado
 Na Bahia Colonial, lugar de mulher era dentro de casa. As damas das famílias mais poderosas afastavam-se pouquíssimo do ambiente doméstico. Sair do sobrado, só mesmo para algum espetáculo teatral ou festa imperdível. Chegava a ser irônico: ver roupas caríssimas e luxuosas trancadas nos sobrados. Além dos homens, quem tinha liberdade para ir e vir pelas ruas da cidade eram as mulheres mais pobres, negociantes que possuíam vendas, escravas de ganho, negras que mercavam pela cidade. Livres, saíam para providenciar o sustento das próprias casas. Cativas, aumentavam o rendimento de seus senhores ou mesmo labutavam para comprar a própria alforria.
“O que se via era o avesso da indolência conventual das senhoras brancas da elite. A vida corria ao ar livre. Tudo era atividade. E o fato é que eram principalmente elas e os negros de ganho que davam colorido às ruas da cidade”, afirma Antonio Risério em Uma história da Cidade da Bahia. Muito desse colorido tinha origem nas roupas com que se vestiam as afro-brasileiras. Uma combinação de tons, rendas e tecidos que impressionava o olhar dos viajantes europeus que desembarcavam em terras brasileiras.
Nem mesmo o Príncipe Maximiliano de Habsburgo, com o olhar eurocêntrico comum ao período, ficou incólume ao figurino tão diferente dos salões europeus. No livro Bahia 1860, ele descreve as vestes de uma mulher que surpreendeu o grupo. “Ela vestia a roupa pitoresca e singular das negras brasileiras, que lembra ainda sua pátria africana: um vestido de algodão de floreado vistoso flutua negligentemente em torno de suas ancas que se balançam molemente, uma camisa branca sem mangas, que parece jogada lá por acaso, envolve o busto. Para circular na cidade, um xale matizado de diversas cores cai dos ombros em pregas elegantes”. Na opinião do historiador Jaime Sodré, a profusão de cores vivas é uma das maiores contribuições da herança religiosa africana ao vestuário baiano. “O candomblé trouxe para a sociedade baiana a ousadia de usar cores”, afirma o pesquisador.
Como apontam os pesquisadores Juliana Monteiro, Luzia Gomes Ferreira e Joseania Miranda Freitas, as roupas, nas diversas sociedades, além de protegerem o corpo e destacarem a beleza, estabelecem hierarquias e tornam-se símbolos identitários por meio dos quais é possível refletir sobre os valores sócio-culturais de determinados grupos.
Foto de Ricardo Prado
 Mulheres de Saia 
As roupas das negras que povoavam as ruas da Bahia diferiam bastante das usadas pelas senhoras da elite, a começar pelo uso da saia. Naquele tempo, só vestia saia quem precisava fazer trabalhos braçais, como vender fato de boi, peixe ou mingau, para sustentar a família. “Qual a mulher de vestido que ousaria penetrar naquele mundo estranho de um mercado ou de uma feira? Era comum o comentário lastimoso de alguém que, sendo de vestido, adotara a saia para poder trabalhar”, conta Hildegardes Vianna, em A Bahia já foi assim.
Graças ao seu tino comercial e ao talento de serem boas quituteiras, cozinheiras e lavadeiras, muitas dessas mulheres ganharam dinheiro suficiente para comprar as próprias cartas de alforria. Seu uniforme, o traje de crioula, era composto basicamente por uma saia rodada, o camisu, com bordado conhecido como richelieu ou com renda renascença, o torço ou turbante, branco ou colorido, as sandalinhas brancas e o pano-da-costa, podendo em diferentes ocasiões ser acrescido das jóias, como correntões e balangandãs e da bata sobre o camisu. Essa última teria sido imposta pelo governador Manuel Vitorino nos primeiros anos de República, como forma de controlar a exposição os corpos das negras nas ruas.
Carregado nos ombros, o pano-da-costa identificava uma África que, embora geograficamente distante, estava paradoxalmente próxima. “O uso do pano-da-costa estava relacionado com o papel sócio-religioso da mulher dentro do candomblé. Elas também incorporaram em seu traje elementos da cultura que era hegemônica, como as saias com bico de renda, batas e camisus bordado em richelieu”, analisam Juliana Monteiro, Luzia Ferreira e Joseania Freitas no texto As roupas de crioula no século XIX e o traje de beca na contemporaneidade: símbolos de identidade e memória.
As ganhadeiras alcançariam grandes projeções no comércio de frutas, verduras, peixes, quitutes, tecidos e pequenos utensílios domésticos, conquistando o monopólio da revenda de certos gêneros e deste modo, o controle sobre o preço dos produtos, principalmente a partir da segunda metade do século XIX em Salvador. No entanto, a permanência dessas mulheres nas ruas não era sempre vista com bons olhos pelas autoridades municipais. “Também era sabido que elas se envolviam em alguns casos no contrabando de produtos e auxiliavam o trânsito interno de escravos fugidos ou aquilombados, devido a suas redes de contato e mobilidade dentro do espaço urbano”, contrapõem os estudiosos.
Negra Fulô
Existem quatro exemplares originais do traje de crioula no Museu do Traje e do Têxtil, no Instituto Feminino. A indumentária pertenceu à Florinda Anna do Nascimento, a Negra Fulô. Escrava doméstica, ela viveu na Fazenda do Coronel Joaquim Inácio de Ribeiro dos Santos. Adquiridas por Henriqueta Martins Catharino, as roupas da africana foram doadas ao Museu que expõe, também, o traje original que a Princesa Isabel usava no dia da assinatura da Lei Áurea.
Além da coleção baiana, só há registros de roupas das escravas de ganho no Museu Imperial de Petrópolis. “Dona Henriqueta foi realmente pioneira ao olhar para essa questão. A partir dessa coleção, é possível avaliar hábitos, costumes, toda uma cultura da arte envolvida no vestir”, afirma a museóloga Marijara Queiroz, responsável pelo Museu do Instituto Feminino.
Tão interessante quanto observar de perto a textura, os bordados e o corte dessas roupas é imaginar o porte dessas mulheres que desbravavam o centro de Salvador. “Observei inúmeras vezes a faceirice requintada com que uma preta desce num barco na escada – ou degraus de madeira – quando uma onda assaz forte sacode a embarcação, o medo que ela tem de estragar o vestido, o cuidado com o qual ela ajeita as suas jóias, os gestos estudados que ela usa para arrumar cuidadosamente seu xale, as precauções tomadas que seus sapatos estejam no cais à sua espera”, descreveu o vice-cônsul inglês James Wetherell, em viagem à Bahia no século XIX.

Traje de Beca

Nos dias de festa nas irmandades católicas, as negras do partido-alto caprichavam no figurino, chamado de traje de beca. Preparavam roupas e compravam colares, brincos e pulseiras especiais, as jóias de crioula, para atrair olhares e aplausos nas procissões religiosas. Hoje, as guardiãs desse legado são as senhoras da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Todos os anos, no mês de agosto, milhares de visitantes de diversas partes do Brasil e do mundo cruzam o recôncavo em busca do legado ancestral dessas mulheres. São três dias de festa na Boa Morte. No primeiro, que representa o anúncio da morte de Maria, as mulheres se vestem de branco, com contas da mesma cor que, não por acaso, simboliza o luto no candomblé. Rendas e bordados em richelieu aumentam a beleza do figurino e o orgulho de participantes como a irmã Anália da Paz Santos Leite, 71, há 42 na irmandade. “Eu me sinto maravilhosa! Uma negra vencedora e lutadora”, afirma, enquanto mostra as saias guardadas cuidadosamente envolvidas em papel. “Por terem herdado a pompa e a vaidade das negras do partido-alto, elas fazem sempre o melhor”, diz Walmir Pereira dos Santos, que desde 1995 administra a Casa da Boa Morte.
Parte da beleza desses trajes saiu das mãos habilidosas de dona Leonice Augusta da França. A costureira de 81 anos aprendeu os segredos do bordado em richelieu aos 12 anos. Na pequena casa onde vive, na cidade de Cachoeira, criou verdadeiras obras de arte.  “Tive que parar por causa de um problema nas vistas, há mais de dois anos”, conta. Apesar de ter confeccionado tantas peças para devotas a irmandade católica, todas integrantes também da religião afro-brasileira, dona Leonice afirma que não se identifica com nenhum dos dois credos. “Sou da Igreja Universal”, avisa.
Na Irmandade, o segundo dia da festa representa a assunção de Maria aos céus. É quando ela passa a ser reverenciada como Nossa Senhora da Assunção ou da Glória. Nessa data, as irmãs vestem a saia preta plissada, com bata branca e, nos ombros, o pano-da-costa – com o lado preto voltado para cima, sem qualquer bijuteria ou jóia. Com o rosto e o cabelo cobertos pelo bioco, um lenço branco, as mulheres da irmandade católica reverenciam as negras muçulmanas. Como um dos objetivos primordiais da Boa Morte era a luta contra a escravidão, a revolta dos Malês empreendida pelos negros islamizados merece, até hoje, reconhecimento.
“As irmãs da Boa Morte eram as únicas negras com acesso aos meios políticos e religiosos da época”, afirma Walmir. O terceiro e último dia da festa é marcado pelo traje de beca em toda a sua opulência, com direito aos tradicionais correntões das jóias de crioula. Nesse dia, sem o bioco, com a face vermelha do pano-da-costa voltada para cima, elas promovem uma reflexão. “Iansã é a guerreira, aquela que incentiva a luta pela sobrevivência”, diz Walmir Santos. O antropólogo Raul Lody acrescenta: “O traje é tão importante que, ao morrer, a Irmã leva uma roupa completa de gala; é a marca inegável do signo da fé, com os valores sócio-culturais desse grupo”.
Quem se debruça sobre o significado da roupa de crioula, no século XIX, e do traje de beca, ainda utilizado na contemporaneidade pela Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, acaba vislumbrando valores sócio-culturais envolvidos em sua indumentária, como afirmam Juliana Monteiro, Luzia Ferreira e Joseania Freitas. “Essas roupas, como representativas de uma identidade afro-brasileira, possuem elementos de uma visualidade específica num contexto sócio-histórico, no qual o modo de vestir-se implicava em uma marca ou numa representação material da posição hierárquica ocupada pela pessoa dentro de uma estrutura social caracterizada pelo patriarcalismo, sexismo e escravidão”.
Foto de Haroldo Abrantes
Foto de Haroldo Abrantes

ALTA COSTURA

Mestres da arte de tecer e bordar lutam para transmitir às novas gerações a herança ancestral.
Preservar a riqueza e a tradição através da indumentária não é tarefa simples. Além de saber costurar e bordar com perfeição, os guardiões desse legado precisam conhecer a fundo a história dos deuses africanos e os usos e costumes envolvendo cada um dos trajes. Quem conviveu com os mais antigos filhos e filhas de santo sabe que as peças costumavam ser tecidas e bordadas dentro dos próprios terreiros. Mas a rotina contemporânea, cada vez mais atribulada, vem fazendo com que esse costume se torne cada vez mais raro. “As pessoas hoje não têm o mesmo tempo que as de antes. As mulheres precisam sair para trabalhar. Antigamente, lavavam roupa de ganho, passavam, vendiam acarajé e acaçá, que eram atividades mais domésticas. Hoje, muita gente importa de grandes confecções do Rio de Janeiro e São Paulo. Ligam e pedem um alaká bonito; não têm tempo nem de sair para escolher a peça”, diz a ekede Cinha, 62 anos, da Casa Branca.
Mãe Cinha aprendeu a costurar ainda menina com a mãe, Vovó Conceição, no próprio axé. No início, os pontos eram todos feitos à mão. Tempos mais tarde, já com uma máquina de costura, adotou a atividade como profissão. “Fiquei feliz quando vi pessoas dançando com a roupa que eu fiz”, lembra. A ekede é a idealizadora de um projeto de transmissão desse conhecimento que não vinha sendo reproduzido pelas novas gerações. Foi assim que surgiu, em 2006, com o apoio da organização não-governamental Koinonia Presença Ecumênica e Serviço e de outros membros da Casa Branca, o Espaço Cultural Vovó Conceição. No local, desde adolescentes até gente da terceira idade vem participando das oficinas de corte e costura. “Já costurei por amor, por necessidade e, hoje, faço por paixão à minha religião e aos meus orixás. Agora não é só por mim, quero passar para os mais novos que querem aprender, mas não podem pagar”.
Não são apenas fiéis do candomblé que fazem parte das oficinas. Além de preservar o conhecimento das roupas, a iniciativa pretende criar alternativas de geração de renda para a comunidade do entorno da Casa Branca. Mãe Cinha defende a confecção da indumentária religiosa por pessoas comprometidas com a religiosidade afro-brasileira. “Fazemos todas as peças com muito carinho, sem contar que a energia é outra. Você conhece o orixá, o jeito, o gosto dele, então faz tudo para agradá-lo”, diz a ekede. Com um sorriso nos lábios e no olhar, ela mostra com orgulho a perfeição das primeiras encomendas feitas pelo grupo. O líder em procura, até agora, é a roupa de ração, aquela usada pelos iniciantes e pelos mais avançados, nas tarefas do cotidiano.
Casa do Alaká
Um dos mais belos itens da indumentária afro-brasileira, o pano-da-costa impressiona pela profusão de cores dos fios trabalhados individualmente. Leves e delicados, esses tecidos que são usados como xale só podem ser carregados nos ombros pelas mais antigas filhas de santo. Expressão requintada das manipulações de cor da arte africana, o alaká, como também é conhecido, exibe a sutileza típica dos trabalhos manuais.
Tão delicada quanto sua confecção é a arte de saber colocar sobre a roupa, com charme e elegância, um desses tecidos. É preciso escolher a cor mais apropriada para a ocasião e conseguir jogá-lo harmoniosamente sobre o ombro ou arrumá-lo como torço sobre o cabelo. Símbolo de imponência, ele só pode ser carregado nos ombros pelos mais antigos. “O pano-da-costa, por sua própria denominação, sugere a origem na África Ocidental, de onde foram embarcados muitos dos escravos que chegaram à América Portuguesa no século XVIII”, afirmam os pesquisadores Juliana Monteiro, Luzia Ferreira e Joseania Freitas. Outra possibilidade é indicada por Raul Lody. Ele sugere que o pano pode ter recebido tal denominação por simplesmente ser jogado sempre às costas por suas usuárias.
O fato é que, feitos de algodão ou palha da costa, eles tornaram-se parte indispensável do figurino das ialorixás e babalorixás. Conseguir um alaká já foi coisa muito difícil. Era preciso conseguir o dinheiro, encomendar a algum comerciante que fosse para a África e aguardar meses para saber se a encomenda viria e, principalmente, na cor certa.
Como a espera era grande e os preços, altos, alguém resolveu iniciar a produção local do tecido. Um dos mais famosos tecelões do ramo foi Mestre Abdias do Sacramento. Natural de Salvador, ele aprendeu a técnica com o padrinho Alexandre Gerardes, um dos pioneiros na fabricação nacional desse tecido. Mestre Abdias já se foi, mas outros tecelões prosseguiram com a tradição.
Hoje, seu legado alcança os principais interessados na aquisição de panos-da-costa, o povo do candomblé. “Há 20 anos, Mestre Abdias deu aqui um curso para egbomis. Depois de duas décadas, a criação da Casa do Alaká é a realização de um sonho”, diz Iraildes Santos, uma das integrantes do espaço que funciona há cinco anos no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro de São Gonçalo.
Ao lado de Iraildes, Jucineide, Ana Rita e Antonio Dimas se dividem entre os teares de madeira de onde surgem os tecidos. Em comum, além do orgulho pelo ofício, o amor à arte de confeccionar peças únicas. “Coloco meu sentimento em relação aos orixás em cada pedacinho do tecido. Uma coisa é você chegar numa loja e comprar. Aqui, você vai dizer o tamanho, a textura, as cores que você quer. E nenhum alaká sai igual ao outro”, afirma Iraildes.
Tecer um pano-da-costa exige concentração, paciência e talento. Primeiro, numa peça chamada de rudideira, primeiro se tira a metragem e a largura do pano. Em seguida, é feita a enfiação no pente, fio a fio. Enrolados no tear, os fios são enfiados, individualmente, no liço. E nada é feito de maneira desordenada. É preciso fazer a contagem de cada fio, pois é ela que garantirá a beleza e a variação de detalhes do alaká. “Com o tempo, a gente ganha prática. Hoje, consigo fazer esse processo todinho em um dia”, afirma Iraildes, que sonha em ser uma multiplicadora da arte de fazer panos-da-costa. O espaço, vale ressaltar, atende também a encomendas externas e está aberto a visitantes de todas as partes da Bahia e do mundo.
O trabalho que vem sendo desenvolvido na Casa do Alaká tem o consentimento de gente antiga como a egbomi Gilseth Obaterê, mais antiga filha de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá. Iniciada aos sete anos de idade na religião, ela aprendeu desde muito pequena os hábitos e costumes dos orixás e de suas vestes. Tanto que hoje, 63 anos depois, já perdeu a conta das vezes em que preparou goma de mandioca para passar nas anáguas das saias. Naquele tempo, era preciso ferver as roupas brancas para que elas ficassem tão alvas como as que se vê hoje em dia nos varais dos terreiros. “A roupa era quarada, botávamos no sol com bastante sabão. Hoje, ninguém tem mais tempo, usam água sanitária”.
Uma das mais antigas costureiras do Afonjá, Obaterê não esquece do charme e a elegância dos trajes de Mãe Senhora. “A Oxum de minha mãe se vestia muito bem, com a coroa, o abebé e trazia uma lança e uma âncora – usada para chegar à superfície da terra – além de muitas pulseiras”. A egbomi não chegou a costurar para Mãe Senhora, mas desde então tem preparado roupas para gerações do povo de santo. A grande mudança, explica Obaterê, é que antes tudo era feito à mão.
Segredos do Richelieu
Entre os guardiões da arte de costurar e bordar também estão homens. Guejí, na verdade Carlos Bastos dos Santos, tem 56 anos e domina como poucos a sabedoria envolvida na criação de peças bordadas em richelieu. Uma de suas principais criações foi a roupa usada pelo babalorixá Balbino Daniel de Paula no dia de sua obrigação de sete anos. Cuidadoso, ele guarda até hoje, em casa, o traje feito com atenção e carinho.
Como explica Raul Lody, o richelieu surgiu na Europa do século XV, como um tipo de bordado intermediário entre o bordado tradicional e a renda, que só apareceria tempos depois. “Relacionado diretamente ao emprego do bordado às roupas brancas, esse tipo de bordado intermediário distingue-se por sua técnica, realizada com pontos cortados – os picots – aplicados sobre um fundo de tecido aberto, no qual os fios foram sendo delicadamente retirados até formarem verdadeiros vazios entre os motivos, dando assim maior relevo às bridas”, afirma o antropólogo.
A denominação richelieu tem origem na França entre 1624 e 1642, pelo uso freqüente nos paramentos de Armanol Jean du Plessis, cardeal e duque de Richelieu. Curioso que o nome de origem francesa tenha sido tão apropriado pela cultura afro-brasileira, a ponto de ser um dos símbolos da elegância na roupa das baianas de acarajé. Filho de Iansã do Ilê Axé Opô Aganju, Guejí aliou o talento de costureiro e bordador ao profundo conhecimento de sua religião. Descendente de uma extensa família com raízes no culto aos orixás, inquices e voduns, ele comunica, através das roupas que prepara, a riqueza de elementos associados às divindades. “Bordei essa borboleta especialmente para homenagear Iansã. É um dos símbolos dela”, revela.
É graças a mãos e olhos como os de Guejí, da ekede Cinha e de Iraildes que o legado transmitido através das roupas sobrevive. Marca da relação de um povo com a sociedade de sua época, os tecidos, ferramentas religiosas e adornos ultrapassaram as barreiras do tempo e do espaço e hoje são, ao mesmo tempo, documentos históricos, peças estéticas e por vezes sagradas, verdadeiros símbolos de resistência, identidade e auto-afirmação.
Editado por Mãe Polly d'Yêmanjá.